Comunidades embranquecidas: o desafio que se coloca…

mascarasbrancasPor Henrique Oliveira

O território de Irecê é demarcado por diversas tradições e manifestações culturais histórica e socialmente demarcadas. Manifestações como terno de reis; sambas de roda; capoeira e candomblé, mesmo que escondidas por uma cultura influenciada pelo embranquecimento cultural, são traços importantes da nossa identidade. Sabemos que tais traços são heranças da nossa mestiçagem original. São tradições advindas dos povos negros que, também na nossa região, se colocam como fundamentais para a nossa constituição enquanto sujeitos e grupamentos sociais.

As comunidades quilombolas (negras) no território de Irecê, porém, mesmo com toda essa influência sociocultural, sempre viveram às margens do reconhecimento por parte dos poderes públicos e. pasmem, por parte da própria comunidade remanescente de quilombos da nossa terra. Trata-se de uma negação, que representam muito da exclusão e violência material e simbólica que esses povos atravessam.

No Brasil, não é difícil perceber que as comunidades quilombolas enfrentam diversos obstáculos, das mais distintas ordens, para garantir seus direitos mais básicos. As dificuldades transitam desde o reconhecimento primeiro dos territórios, até a afirmação de ações positivas, que ajam no sentido de proteger e estimular a riqueza de manifestações culturais construídas no contexto de lutas e resistências de tais populações. Estamos falando de uma necessária ação de reafirmação das identidades político/culturais desses povos. Ou seja, da criação permanente de movimentos que fortalecer e estejam sempre aptos a reivindicar direitos.

Com a experiência do projeto Juventude quilombola percebemos que ainda temos um longo caminho a percorrer no sentido de garantir essas conquistas. Nosso projeto, a partir do patrocínio da PETROBRAS, ainda é uma ação pioneira. Uma ação que, para além da geração de renda e oportunidades para jovens quilombolas, se engajou ao longo de quase dois anos de trabalho, para o fortalecimento dos chamados  territórios materiais e simbólicos desse povo. Indentificamos, ao longo de uma jornada de atividades extensa, que ainda precisamos nos engajar naquilo que é mais genético para a resistência desses povos; ainda precisamos estabelecer um processo firme de territorialização (inclusive e, talvez, prioritariamente, simbólica) quilombola na nossa região.

Esse problema é muito sério. Uma vez que, de dezenas de comunidades que visitamos, apenas algumas poucas (setenta, para ser mais preciso) conseguiram o reconhecimento de comunidade remanescente de quilombos. No entanto, mesmo essas, sofrem com um intenso processo de invisibilidade. Não é raro que nos deparemos com jovens que neguem pertencer às suas comunidades ou que neguem a sua negritude. Num levantamento que fizemos em oito comunidade reconhecidas, grande parte dos jovens, com idade entre doze e vinte nove anos, se afirmaram como “pardos”. Tal fato levantou uma questão que se apresenta como um importante resultado do nosso projeto: Há, no território de Irecê, um enbranquecimento identitário das comunidades remanescentes de escravos?

Tal questão permanece. Porém, pela absoluta falta de discussões e políticas públicas acerca do  tema na região, percebemos que esses povos tendem a “perder sua cor” (e tudo que ela representa) frente às demandas de uma sociedade altamente violenta simbolicamente. Falamos de uma violência que, como afirmou Pierre Bourdieu, cria uma espécie de cumplicidade, mesmo que culturalmente “forçada”,  entre aqueles que sofrem e os que exercem a violência, “na medida em que uns e outros são inconsciente de a exercer ou a sofrer”. Estabelece-se assim, um ponto de  tensão sociocultural nas relações estabelecidas no nosso território.

O projeto Juventude Quilombola, assim como o Centro de Assessoria do Assuruá, trabalha no sentido de rediscutir e de promover ações que rompam com essa violência flagrante. Porém, essa é uma ação que, por se localizar muito no campo simbólico, muitas vezes passa despercebida pelo conjunto maior da sociedade. Diante disso, faz-se necessária a multiplicação de ações e projetos como o nosso. Mais do que isso, é mister que as comunidades quilombolas sejam alvo e agentes de políticas públicas consistentes: políticas que incidam numa recondução visível do lugar material e simbólico de tais povos…