Artigo: Reduzir a maioridade para quem?
Vera Lúcia Barbosa – Titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (SEPROMI)
“De novo, e sem quê, nem pra quê”. Diria as pessoas mais idosas, sobre o debate colocado na agenda da sociedade brasileira sobre a redução da maioridade penal. Uma proposta neste sentido está em curso, estimulando reflexões e debates importantes. A maioria da Câmara dos Deputados aprovou a matéria esta semana, mas vale lembrar: novos capítulos virão nesta disputa ideológica.
Em primeiro lugar, há de se perguntar o porquê dessa agenda apressada, uma vez que a quantidade de homicídios praticados por jovens e adolescentes é inferior a 10%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Em segundo lugar, temos que assumir a responsabilidade, como conjunto da sociedade que somos, pelos erros cometidos nos mais diversos aspectos, incluindo as políticas públicas.
Se somos parte deste processo também seremos parte da solução. Responsabilizar a juventude pela totalidade do problema da violência é cometer erros graves e covardes: desconhecer que parte dos erros é nosso; além de punir a juventude que já é vítima da histórica desigualdade social. Para se ter uma ideia, dados estatísticos apontam que a maioria dos jovens envolvidos nos atos infracionais é negra, do sexo masculino, de 16 a 18 anos, não frequenta escola e vive em condição de miséria, também de acordo com o IPEA.
Antes de encarcerar nossos jovens, portanto, temos que fazer o nosso dever de casa. Ouvir a juventude, escutando-a com nossos corações e mentes. Dar aos jovens colo e afeto, mas também limites a serem seguidos. Garantir escola de qualidade, saúde, lazer e esporte, incentivando a cultura e as artes. Estas pautas são urgentes do país, algumas já sendo trabalhadas, onde podemos citar o Plano Juventude Viva e o apoio a experiências com população negra juvenil. Pelo Estado também destacamos o Pacto pela Educação e a Coordenação de Políticas de Juventude (Cojuve).
Cabe dizer que dar oportunidades aos nossos jovens não significa abrir mão do chamamento à responsabilidade junto aos que cometeram infração. Essa responsabilização é executada com medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em 2013, inclusive, eram 23,1 mil privados de liberdade no Brasil. No total, 64% estavam cumprindo medida de internação, a mais severa de todas.
O Governo Federal propõe mudanças significativas, como uma alternativa à proposta de redução. A ampliação da internação de jovens sentenciados por crimes hediondos é uma delas. O endurecimento das penas para adultos que aliciam menores para o crime é outro caminho proposto, uma vez que a juventude tem sido a presa mais vulnerável para o assédio de facções criminosas e do tráfico.
Num histórico de falta de garantia dos direitos ou políticas mais acertadas para os jovens não podemos fugir à responsabilidade. Somente o egoísmo e a mesquinhez desprezíveis autorizariam a defesa da redução. Lembremos o antigo ditado que diz: “a corda sempre quebra do lado mais fraco”. É fácil assim.
Artigo da titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi), Vera Lúcia Barbosa, publicado no Jornal A Tarde da sexta-feira (03).