“A questão de gênero é também muito importante”

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Coordenadora do Projeto Assistência Técnica e Extensão Rural para as Mulheres (ATER – Mulheres) executado pelo Centro de Assessoria do Assuruá em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Camila Batista é uma das lideranças do movimento feminista no Território de Irecê. Integrante da Marcha Mundial pelas Mulheres, bacharel em Direito e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNI) da UFBA; atualmente Camilla coordena o setor de mulheres do CAA e se engaja em questões sociais diversas no Território de Irecê.

Numa entrevista descontraída, Batista falou sobre a importância das ações do projeto Juventude Quilombola; executado pelo Centro de Assessoria do Assuruá (CAA) com patrocínio da Petrobras, e a importância de fortalecer a vida econômica, social e cultural da juventude de comunidades remanescentes de quilombos no território de Irecê.

BLOG JUVENTUDE QUILOMBOLA– Camila, o projeto Juventude Quilombola visa atender 200 jovens no território de Irecê. Destes, 111 são mulheres. Para você qual a importância desta ação?

Camila Batista – É extremamente importante, porque o projeto Juventude Quilombola é voltado para atender a juventude, só que neste cenário há um recorte de gênero, onde muitas vezes as mulheres jovens estão submetidas ou ao trabalho doméstico ou a mercantilização do próprio corpo. Então um projeto como este tem papel fundamental para conscientizar as mulheres jovens, onde elas possam garantir sua autonomia pessoal, econômica e social e deixem de fazer parte deste percentual de mulheres jovens em nosso país que muitas vezes sofrem abusos dos mais diversos tipos.

BJQ – Qual sua visão sobre as ações pedagógicas do projeto, principalmente no que se refere à formação desses jovens enquanto cidadãos?

CB – A parte pedagógica é importante porque trabalha com a questão do gênero, raça e geração. Ou seja, trabalha a questão da raça, que é extremamente importante, além do reconhecimento destes indivíduos como negros, como quilombolas. Nesse âmbito, para que tais questões sejam trabalhadas e haja tal resgate, a questão de gênero é também muito importante, uma vez que a questão da divisão sexual de trabalho, seja o jovem do sexo feminino ou masculino, precisa ser compreendida. Existe uma divisão sexual no mercado de trabalho e esta desigualdade precisa acabar. Para isso, precisamos de políticas públicas diversas. Então, eu vejo os conteúdos e as ações pedagógicas de projetos sociais como o Juventude Quilombola como um avanço e tenho certeza que o resultado será muito positivo.

BJQ – Camila, como coordenadora de um projeto voltado para atender às mulheres, qual sua visão sobre a posição das mulheres aqui no território de Irecê, principalmente das jovens de origem quilombola?

CB – Infelizmente, dentro da divisão sexual do trabalho, as mulheres do campo são as que mais sofrem. Porque elas são vistas apenas como ajudantes e não trabalhadoras rurais e esse é um contexto que deve ser quebrado. Então, eu acho que o projeto por ter esse caráter de atender à juventude é um ponto positivo, pois pode-se trabalhar a questão da desigualdade social, racial e de gênero desde a juventude, onde a formação desse jovem reflete para sua vida adulta e isso é de suma importância para garantir também a autonomia para as jovens e os jovens remanescentes de quilombos no território de Irecê.

BJQ – Quais suas considerações a respeito da valorização da consciência dos jovens descentes de quilombos; a valorização da cultura; de suas peculiaridades e traços históricos?

CB – É extremamente importante. Primeiro porque esta desigualdade de classes ela tem cor, e quem está na base dessa pirâmide social são as pessoas negras. Então, no meu entendimento existe ao longo da história um preconceito onde o negro é visto como inferior, e isso é trabalhado nesse projeto, no sentido de quebrar essa imagem. Então, através dessa iniciativa  vai-se trabalhar de forma aprofundada a questão racial com estes jovens, para que eles se reconheçam como quilombolas. Espero que o projeto possa ter um acervo para no futuro possamos fazer um livro ou um vídeo para que outras entidades possam dar continuidade a projetos dessa natureza.

BJQ – Camila, quais outros potenciais você consegue enxergar no Projeto Juventude Quilombola?

CB – Eu sou mãe, sou feminista, coordenadora de um projeto para mulheres no território há um bom tempo, vejo a vital importância à execução desse projeto, porque vai garantir para nossa juventude mais oportunidade no mercado de trabalho, mais formação, mais valorização, mais capacitação e basicamente eles vão ter esse reconhecimento – vão mostrar sua luta, sua história. Eles serão iguais a qualquer pessoa da sociedade, seja em gênero, raça ou classe. Então, tenho que parabenizar o CAA quando escolheu o tema, porque foi um tema certo, propício para o território que tinha uma carência de projetos para atender essa classe da população que precisa ser reconhecida, valorizada e incluída no contexto social da região.